segunda-feira, dezembro 19

Cerro Austria

O Acampamento Base e ao Fundo o Cerro Áustria

 
Já estávamos no acampamento base a 3 dias, o local estava coberto de neve pelos 5 a 6 dias de tempo ruim que havia feito. A Bolívia nessa época é conhecida por ter tempo bom com sol e a principio não tivemos essa sorte. Nesse dia até fizemos uma pequena caminhada de uns 50 minutos até a base do glacial do Tarija, para aclimatar e treinar um pouco travessia em geleira.
Foi o dia mais frio que passei na minha vida, estava -15 graus mas ventava muito e caia uma fina camada de neve aumentando a sensação térmica para mais de -20 graus. As extremidades da mãos e a pequena parte do rosto que ficavam expostas doíam. Quando chegamos na base do glacial o esforço para colocar a cadeirinha e o grampon na bota (suporte pontiagudos p/ escalada e caminhada em gelo)  era um absurdo, mas eu estava determinado a não desperdiçar o dia ficando sem fazer nada no acampamento base. Depois de me preparar o Rodrigo chegou tão mal que nem consegui se abaixar para calçar os grampons e acabei tendo que colocar para ele os grampons e a cadeirinha.
Subimos um pouco o glacial e fixamos as cordas com parafusos de gelos e treinamos um pouco a subida e técnicas de resgate com cordas fixas. Realmente estava muito frio e logo descemos e voltamos para nosso acampamento base. O Rodrigo ficou assustado com o frio extremo que passamos e a noite chegou a comentar em desistir da escalada. Acabei dormindo desanimado pelo comentário dele.

 
Roberto (natural) no glacial do Tarija fixado em uma equalização de parafusos de gelo

 
No dia seguinte foi incrível, amanheceu com o céu aberto e raios de sol refletiam nas pequenas extremidades dos picos em nossa volta. No nosso lado uma expedição liderada por Javier (escalou o Everest) e composta por vários Suíços se preparavam para subir. Já estávamos bem amigos de Javier e ele logo nos convidou para se quiséssemos acompanha-los na escalada ao Cerro Áustria eramos benvindos. Eu sabia que era uma escalada fácil, pois não tinha trechos técnicos e seu maior desafio era sua altitude de 5330m, mas dias anteriores aquele já tínhamos falado com pessoas que subiram com mal tempo e não haviam conseguido chegar no cume e isso deixou-nos preocupados.

 Agulha Negra 5290


Grupo de suíços escalando

Um pouco antes da Canaleta


Caminhávamos num ritmo bom e sempre avistando o grupo de Suíços ao qual queríamos manter uma distancia razoável para não incomoda-los. Mas depois de uma hora essa diferença foi aumentando pois o Rodrigo não estava conseguindo acompanhar meu ritmo de caminhada. Eu me sentia muito bem e queria subir cada vez mais rápido, mas já tinha decidido subir com Rodrigo o tempo que fosse necessário a ele. Mas logo  sem perceber acabava me distanciando dele e eu parava e esperava ele se aproximar.
Fomos dessa forma até a canaleta. Vista lá debaixo essa canaleta parecia pequena, mas ao chegar nela vi que não seria mole, pois ela era enorme e o seu final ficava bem inclinado. Tinha muita neve e com o sol e muita gente passando foi derretendo e se misturando ao barro, virou um lamaçal escorregadio e perigoso.

 
A canaleta

 
Eu e o Rodrigo no meio do caminho ao fundo a Laguna Chiar Khota


 Rodrigo nos últimos trecho da Canaleta

Fui me distanciando do Rodrigo porque fiquei obstinado em chegar no final dessa canaleta e nem parava mais para esperar ele. Chegando lá encima fiquei aliviado de ter terminado aquele trecho. O visual era lindo, o local era um col e dava para ver o outro lado todo da montanha. Tinha também um lago e uma visão incrível da Cabeça Del Condor (5700m) e as montanhas ao seu redor.
Ali estava um guia boliviano e uma suíça esperando seus colegas, olhei para cima e já dava para ver o cume. Perguntei ao boliviano quanto tempo para subir e ele falou mais duas horas, achei estranho mas acreditei nele. O Rodrigo começava a chegar no final da canaleta e isso já faziam 4 horas que estávamos caminhando e fiquei preocupado com o horário. Quando ele chegou estava acabado respirando muito mal e já se jogou no chão. Deixei ele respirar um pouco e expliquei minha preocupação com o horário e falei para ele ficar ali enquanto eu subia até o cume, ele sem entender bem e ainda muito ofegante balançou a cabeça indicando concordar comigo. Nem pensei muito e comecei a subir rapidamente.


No col depois de 4horas de caminhada, ao fundo Cabeça Del Condor



Ala Esquerda 5532m e Cabeça Del Condor 5648

No caminho cruzei com Javier descendo com seu grupo de Suíços e conversamos um pouco. Javier é uma pessoa incrível com palavras confortantes e atenciosas ele conquista todos ao seu redor, fiquei muito feliz em conhece-lo. Ele deu vários toques de como caminhar e respirar para que a altitude não te vença na escalada. Logo venci os trechos finais os quais ficaram um pouco mais inclinado e com lugares bem expostos.
O cume era maravilho com um visual lindo da região de Condoriri e toda a cordilheira ao redor. Meu objetivo era ainda escalar mais uma montanha na região e depois o Huyana Potosi que era bem visível desse local.  Na sua aresta admirava suas encostas mais ingremes e as corniças que se formavam em suas extremidades.
Levei 40 minutos para subir esse trecho, bem menos do que tinham me informado logo abaixo. Não quis me demorar muito pois o Rodrigo me esperava no caminho, tirei umas fotos e fiz uns vídeos e logo já estava descendo.


 Abaixo Laguna Chiar Khota 4600m e ao fundo e no alto o Huyana Potosi 6080m


 As pedras indicam o Cume

Na descido depois de uns minutos escutei um grito:
"filho da p-, lazarento".
Que estranho isso! Eu procurava mais abaixo para ver quem era e porque gritava.
"filho da p- , lazarento, você não é companheiro..."
Bom!! Percebi que era para mim, o Rodrigo continuou sua subida e ficou revoltado por eu não ter esperado ele. Que vou falar agora?
"Rodrigo me desculpe! Avaliei mal a situação, me desculpa eu errei!"
Não quis deixar ele mais nervoso e esperei ele chegar em mim e subi com ele novamento no cume.
Lá tiramos mais fotos e eles fez alguns vídeos, chegou a pagar uma promessa e ficou pelado no cume para registrar para sua esposa seu feito. O Rodrigo não é montanhista e seu feito de subir em uma montanha com mais de 5000m foi emocionante para ele, exigiu esforço físico e muita força de vontade para chegar ali.


O meu auto retrato no Cume


O Rodrigo chegando no Cume

Descemos num ritmo bom, mesmo eu com uma dor de cabeça que me  infligiu após eu chegar ao cume e chegamos no acampamento base depois de 9 horas de caminhada.
O Rodrigo estava alegre e motivado para tentar outra montanha em minha companhia, apesar de estar já com dores que estavam me deixando preocupado. Mas essa historia vou contar no próximo post, OK.

Essa foto foi tirado por Artur Vieira (fotografo e amante das montanhas)