terça-feira, outubro 30

Huayna Potosi



 Huayna Potosi 6088m
 
 
 Esse ano de 2012 o meu grande objetivo era passar dos 6000m de altitude. No ano anterior era para eu já ter escalado o Huayna Potosi, mas peguei tempo muito ruim com fortes nevascas e temperaturas baixas e por descuido acabei congelando meus dedos das mãos e tive que adiar essa minha meta.
Passei os últimos meses antes da viagem treinando muito, academia, corridas e caminhadas pelas nossas serras. Estava mais preparado do que o ano anterior, mas tinha pouco tempo para fazer a viagem e meus planos era ir escalar a montanha e voltar em menos de uma semana. O Huayna Potosi é conhecido por ser a montanha de 6000m de mais fácil acesso da Bolívia, pois além de estar próximo da capital La Paz existem varias agencias de turismo oferecendo a escalada até em dois dias.
Sabia dos risco em ir tão rápido, fatores como má aclimatação e tempo ruim poderiam acabar com a minha escalada, mas planejei, treinei e não pensei muito nessas possibilidades.
 
 



 
Roberto e Bruno (a esquerda Huyana Potosi e a direita Chacaltaya)
 
 
Tudo marcado e preparado para minha viagem começa as surpresas, peguei um gripe poucos dias antes. Não pude desmarcar, pois os transtornos gerado no meu trabalho seria inviável. Mesmo doente fui, pois nos meus cálculos até eu começar a minha subida eu estaria bem.
Chegando em La Paz conheci de cara o Bruno Durante um montanhista Carioca e logo já estávamos planejando escalar juntos. Meus planos iniciais era escalar sozinho com apenas um guia ou até sem guia, mas estava em duvida sobre isso. Também planejava ficar em La Paz 2 dias e depois ir ao Huyana para escalar em 4 dias sem outras escalas mas subindo devagar.
Com o Bruno acabei mudando meus planos, pois pensei que desta forma teria uma aclimatação mais rápida: um dia no Chacaltaya 5250m um dia em La Paz e depois ir ao Huyana Potosi para escalar em 3 dias (sendo um dia só pratica no gelo).
 

 
 
 



Estrada que leva ao cume da Chacaltaya


O Chacaltaya é uma grande montanha com fácil acesso e era também um campo de esqui, mas com o aquecimento global a geleira que se encontra no local quase não existe. Você chega de carro a poucos metros do cume e com uma pequena caminhada supera em minutos. Pela sua grande altitude e fácil acesso ela é muito frequentada, principalmente por turista mais comuns (não montanhistas) e mesmo assim são poucos que realmente chegam ao cume, pois os efeitos da altitude são percebidos rapidamente. A montanha tem um visual muito bonito do Huayna Potosi e também do Ilhimani (mais afastado).
Subi rapidamente e fiquei pelo menos uma hora no cume e seu arredores, curtindo e tirando fotos e eu estava bem. Mas na descida com o taxi comecei a me sentir mal com um pouco de náuseas e muita dor de cabeça. Como eu ia ficar um dia em La Paz não me preocupei muito.



Eu no Chacaltaya com o Huayna ao Fundo



 Abrigo no estacionamento do Chacaltaya




 Chacaltaya visto do estacionamento


Contratamos uma agencia para levar-nos até o Huayna, frisei que queria um saco de dormir p/ -20 graus e apenas uma bota plastica, pois o restante eu ia com meus equipos. Nunca fui para montanha com guia, sempre tenho que levar tudo e principalmente preparar minhas refeições. Realmente o que mais os guias fazem quando não estamos escalando é cozinhando, isso foi  ótimo.


Cume do Chacaltaya

No dia de descanço em La Paz, percebi que não estava me sentindo bem e resolvi forçar um pouco minha aclimatação tomando Diamox, dessa forma eu aliviaria os efeitos da altitude. Chegamos pela manhã na base e também o primeiro abrigo de montanha, almoçamos e fomos para a geleira para praticar caminha e escalada em gelo. Eu já tinha feitos outras caminhadas em geleira e estava tranquilo, mas Bruno foi sua primeira vez e ele se bateu um pouco para pegar o jeito. Nessa noite tomei um Diamox e uma Aspirina, depois lendo a bula essa combinação era perigosa, mas só descobri isso em Curitiba.



 
A caminho do Huayna Potosi



Estacionamento e o primeiro abrigo ao Huayna Potosi



Pratica de caminhada em gretas na geleira (Alex, Rémi, Bruno)


 
Rémi escalando uma parede de gelo


 
Roberto (Natural)

No dia seguinte levantamos cedo, tomamos um bom café e saímos para nossa caminhada até o abrigo alto. Esse caminho normalmente é feito de 3 a 4 horas e passa  pelas temidas morenas (campo rochoso com pedras soltas). Decidi subir tranquilo e no ritmo do Bruno, mas logo no inicio percebi que ele não estava bem, muito ofegante e parando varias vezes.
A trilha era bem tranquila e marcada, mas a altitude que estávamos é outra história, se tornando dura e penosa. Até no meio do caminho antes de chegar nas morenas o tempo estava bom, com sol e tempo aberto. Quando chegamos na morena o cansaço do Bruno era evidente, mas ele era muito persistente e não aceitava que levasse sua mochila e também por vários momentos mandava eu ir na frente. Eu já havia decidido ir com ele não importava o tempo que levasse.
Quando chegamos no inicio da morena a trilha abruptamente ficava muito inclinada e o céu rapidamente mudou e uma neblina cobriu toda a montanha e uma fina neve começou a cair em nós.
Partir daí começou uma grande dor de cabeça e a subida começou realmente ser muito sofrida, conforme eu subia mas ar faltava em meus pulmões. A neve foi aumentando e cobrindo toda a trilha que até então estava bem marcada. O guia nos levou até onde já dava para ver o abrigo e ele subiu a partir daí sozinho. Esse trecho final cansados, fizemos com muita calma, pois com a quantidade de  neve que havia caído ficou mais escorregadio e perigoso, mas superamos bem.



 
Abrigo Rock Camp a 5130m 


Na nossa escalada acabamos conhecendo um Francês chamado Rémi, ele veio para um congresso de medicina. Na França  já havia escalado algumas montanhas e é praticante de ski, resolveu tentar uma montanha mais alta do que as existentes no país dele. Na Europa a maior montanha é Mont Blanc que tem apenas 4810m, muito abaixo da média das montanhas na cordilheira dos Andes. Também no abrigo alto conhecemos um grupo de amigos Americanos com um Holandês, mas todos falavam  espanhol bem razoável e deu para conversarmos bastante com eles.
Esse acampamento alto é muito frequentado e quase todo dia tem montanhistas passando por ele e tentando o cume.
 

 
No abrigo, galera internacional (2 brasileiros, 1 francês, 2 americanos, 1 holandês)

 
O Bruno tinha sofrido muito para subir e tivemos que chegar num assunto muito delicado no jantar, sobre quem tinha condições de realmente fazer o cume. O nosso guia Alex  falou que o Bruno dificilmente teria condições de chegar no cume, mas que eu poderia ter sucesso. A situação ficou muito tensa e chata, pois todos que escalam pensando no cume, eu mesmo não tinha certeza sobre minhas condições, mas nem passava pela minha cabeça não chegar no cume ainda mais depois de dois anos pensando nessa montanha. Quando se escala em grupo se um tem que voltar, todos descem e isso me deixou muito preocupado em escalar com o Bruno.
Mas nessa hora tudo passava pela minha cabeça, como somos egoístas nessas situações, infelizmente. O que fazer?  Fiquei muito amigo do Bruno e eu não queria que ele mesmo não estando em condições não tivesse sua chance de escalar a montanha.
Falei para o guia do Rémi se  eu poderia escalar com eles o trecho final, ele prontamente aceitou pois eu iria pagar a parte esse trecho para ele. Remi escutava atentamente minha proposta, virei para ele e perguntei se ele entendeu o que eu estava propondo e se ele concordava, e ele balançando a cabeça disse que "sim". Mas eu dependia  que todos concordassem com isso, então ficamos de conversar mais tarde e decidir.
Bom o primeiro com quem fui falar foi o Bruno e ele estava visivelmente transtornado com a situação e  ficou muito animado com a minha proposta, pois ele teria o guia só para ele tentar sua escalada. Já meu guia não gostou muito da proposta, pois se a empresa que ele trabalhava soubesse disso poderia ter problemas, mas acabou concordando. Momentos mais tarde todos estávamos na mesa, discutindo o assunto e de repente ouvimos um grande estrondo, todos nos olhamos mas ninguém falou nada, pensei logo que aquilo era uma avalanche.
 

 
Vista para o Cume do Abrigo Rock

 
 
Durante o dia nevou muito e estava muito frio,  eu estava com dores de cabeça e sentia uma pressão nos meus olhos que ficavam dilatando com os batimentos cardíacos. Eu não estava me sentindo bem, mas estava firme na minha decisão de tentar o cume e quando fomos dormir as 17:00hs, tomei Diamox e Neusadina para amenizar os efeitos que ar rarefeito já estava fazendo  em mim.
Não dormi nada e aos primeiros movimentos no abrigo já levantei. Não me sentia bem e estava muito tenso, toda aquela segurança que eu estava havia sumido. Fui para fora para ver como estava o tempo e para minha surpresa estava ótimo, apesar de estar muito frio e ventando o céu estava aberto e era possível ver toda a montanha. Nesse momento me animei e fui me preparar para escalar.
Demoramos um pouco para se equipar e o Bruno com o Alex acabaram saindo antes, mas logo já estávamos começando a subida pela geleira. Começamos num ritmo bom em alguns minutos já alcançamos o Bruno e passamos a frente. Fomos subindo a geleira sem grandes problemas, apesar de ter nevado ao londo do dia não havia acumulado muita neve no caminho. Varias vezes o guia do Rémi perguntava se eu estava bem e eu sempre respondia que estava tudo OK, mas não era verdade, eu estava forte mas tinha falta de ar e a pressão nos meus olhos só aumentava.
Fizemos uma boa parada no "campo argentino" a 5400m eu estava já muito cansado, fora do meu normal. Comemos chocolates e tomamos agua e o guia voltou a perguntar para mim se eu estava bem, eu fui mais sincero e falei que eu não me sentia bem mas que dava para continuar. Dali para cima minha fadiga começou a afetar nosso rendimento e por varias vezes fazíamos pequenas paradas.






Eu no ataque final no Campo Argentino 5400 (já estava inchado)

Estávamos num corredor com grandes gretas ao redor, e tinha no caminho algumas bandeirinhas marcando a trilha. Tentei parar um pouco, pois estava muito cansado e o guia não me deixou falando que aquele lugar era muito perigoso. Caminhamos mais alguns minutos e começamos a virar para direita e subir a lateral desse corredor, ali era o primeiro trecho técnico e paramos para descançar, estávamos a 5.650m. Reparei que reto pelo corredor daria embaixo de um "serac" (placas de gelo acumuladas e fragmentadas) e por isso o local era perigoso, pois pode ocorrer avalanches.
Sentamos para descansar e nos preparar, nesse momento meu rosto estava estranhamente amortecido como seu eu estivesse bêbado. O guia voltou a me questionar se eu estava bem e seu poderia realmente continuar a subir, e eu disse  que  estava cansado mas continuaria. Nesse momento um grande estrondo (como se fosse um trovão seco) atraiu a nossa atenção para o serac. Um pequeno pedaço se desprendeu, caindo e formando uma pequena avalanche que foi se esfarelando até abaixo de nós. Foi a primeira vez que vi isso e é assustador, imagine se a placa fosse maior o perigo que realmente seria.
Eu não me sentia bem e apos o ocorrido comecei a me convencer que realmente não teria chance nenhuma de chegar no cume, era uma questão de tempo para eu parar a subida. Não seria justo com o Rémi, pois ele estava muito bem e decidi descer  a partir da onde estávamos,  antes de subir o trecho técnico.
 

 
Bruno e eu já vencidos, descendo para o abrigo

Bom, para mim parecia uma decisão simples, eu desceria sozinho até o abrigo alto, mas o guia falou que todos desceríamos. Não concordei, minha intenção de descer a partir dali era para não comprometer a escalada do Rémi, pois se eu continuasse certamente teríamos todos que descer mesmo. Apos uma pequena discussão sobre isso e até sobre o pagamento do guia, soltei a corda e comecei minha descida solitária me sentindo derrotado.
Fui até o campo argentino a 5400m lentamente apreciando os últimos momentos na rota e pensando que o Bruno já estivesse no abrigo. De repente no escuro vejo Bruno e Alex, pois eles estavam andando com as lanternas apagadas. Bruno ficou muito contente quando me viu e perguntou se eu já havia desistido, e então falou para descermos a partir dali juntos. Descemos conversando e rindo muito pois o Bruno estava tão cansado que não parava de cair. Quando chegamos no abrigo ainda estava escuro, pois ainda não havia amanhecido e então cansados fomos dormir.
Mesmo deitado os sintomas não passavam, para isso tinha que descer a uma altitude menor ainda. Esperamos o Rémi chegar para descermos juntos. Ele com seu guia chegaram a 6000m, por causa da neve do dia anterior a trilha que forma na crista até o cume (facilitando seu acesso) havia sumido e por causa dos ventos fortes seu guia não quis se arriscar a abrir a rota, então desceram.
Tomamos uma sopa e começamos a descida,  o dia estava maravilhoso com sol e tempo agradável, descemos tranquilos até o estacionamento. Depois que eu cheguei a La Paz a maioria dos sintomas já havia sumido, mas minha dor de cabeça me atormentou até o dia seguinte.
 


 
Descendo as morenas


 
Huayna Potosi do primeiro abrigo


 
Eu e o Rémi